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O que está acontecendo em Mianmar?

Data: 16/03/2021 00:00

Autor: Têmis Francischini Fagundes Espósito

 

O golpe militar ocorrido no Estado de Mianmar, no último 1º de fevereiro, fez com que a mídia internacional voltasse os olhos ao país. Mas o que está acontecendo nesse lugar, tão pouco falado pela imprensa até então e que atraiu a atenção da mídia internacional?

Mianmar[1], também conhecido por Birmânia, é um Estado localizado na parte ocidental do continente asiático, com uma área total aproximada de 676.578 m², que faz divisa com China, Laos, Tailândia, Índia, Bangladesh e dá acesso à Baía de Bengala, localizada no Oceano Índico. Sua cultura é diversificada e conta com certa de 135 etnias dentro de si, a maior parte da população é de origem birmanesa e pertencente à religião budista.

Em um contexto amplo, é imprescindível pontuar que Mianmar, até 1948, era uma colônia britânica. Em 1962, o Estado passou pelo seu primeiro golpe militar, que perdurou até  meados de 2006. Em 1988, muitos protestos foram fomentados por parte da população, que buscava mudanças políticas e o fim da ditadura. As manifestações foram contidas de forma violenta, o que resultou na morte de cerca de três mil pessoas[2].

 Em 1989, Aung San Suu Kyi, candidata pelo partido Liga Nacional Democrática (NLD) foi eleita e os militares não aceitaram sua vitória. Diante do ocorrido, a vencedora do Prêmio Nobel da Paz e líder política, foi presa e assim permaneceu até 2010. O processo de redemocratização do país iniciou em 2011 e, em 2016, foi eleito democraticamente o primeiro presidente para governar o Estado que sofreu, por aproximadamente 50 anos, as mazelas de um regime militar.

Ocorre que a intolerância étnico-religiosa, existente dentro do país, aliada a presença das forças armadas em cargos do alto escalão governamental, continuaram sendo um entrave ao processo de redemocratização vivenciado por Mianmar. De junho de 2012 à agosto de 2017, a etnia minoritária mulçumana Rohingya[3], foi submetida à diversas violações graves de direitos humanos, como assassinatos, limpeza étnica, estupro, genocídio e tantas outras barbáries, que fizeram a Organização das Nações Unidas (ONU) considerar a discriminação contra o povo Rohingya uma “crise humanitária sem precedentes”[4].

Diante de tantos conflitos, instabilidade política, crises econômica e humanitária, a população clamou pela continuidade do processo de redemocratização. Prova disso foi o resultado das últimas eleições realizadas no país, em que a oposição, composta por membros do exército, perdeu com grande rejeição e a vitória foi pela reeleição da Liga Nacional Democrática (NDL), que governava o país desde 2016. Após a derrota, a oposição, indignada com o resultado, começou a fomentar uma campanha de que as eleições foram fraudadas.

Diante do cenário caótico, agravado pela pandemia do COVID-19, em 01 de fevereiro de 2021, os militares deram outro golpe de estado e o poder foi entregue ao chefe do Exército, General Min Aung Hlaing. Na ocasião, os militares detiveram integrantes do governo, como Suu Kyi e o Presidente legítimo do país, Win Myint.

Em seu discurso anual, na 46ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, pediu que o “exército de Mianmar parasse com a repressão imediatamente, acabasse com a violência e respeitasse os direitos humanos e a vontade do povo expressada nas recentes eleições”.

Até o momento, o único órgão internacional capaz de promover sua responsabilidade primária em favor do Estado de Mianmar, que é o Conselho de Segurança da ONU (CSNU)[5], não foi capaz de definir uma estratégia de intervenção no território. Em razão dos interesses econômicos e políticos, os membros permanentes do CSNU, China e Rússia, vetaram a orientação da Assembleia Geral das ONU (AGNU) para agir no território de Mianmar na busca em combater a grave violação de direitos humanos que há décadas assola a população.  

Desde o golpe militar de 1º de fevereiro, diariamente ocorrem manifestações em prol do restabelecimento da democracia no Estado de Mianmar, que tem sido combatidas com violência por parte dos militares. A pandemia do COVID-19, a insegurança política, econômica e as crises humanitárias vivenciadas pelo país têm chamado a atenção dos organismos internacionais de proteção aos direitos humanos, bem como o surgimento de uma pressão da comunidade internacional para que a questão seja solucionada.

Ao passo que a ONU, os Estados Unidos, União Europeia e diversas outras nações condenam o golpe militar em Mianmar, o Estado brasileiro, por meio da Nota à imprensa nº 9[6] proferida pelo Itamaraty, se manteve neutro, ao afirmar que “acompanha os desdobramentos do estado de emergência e espera um retorno rápido à normalidade”, mas  não encarou o ocorrido como golpe militar e nem citou a prisão de líderes políticos.

A situação enfrentada por Mianmar é delicada e, neste momento, exige um posicionamento contundente, seja por meio da atuação do CSNU, da mídia internacional ou dos próprios Estados, a fim de que a democracia, sonegada à população que enfrenta uma das piores crises humanitárias de todos os tempos, seja restaurada.



* Têmis Francischini Fagundes Espósito, Advogada, Membro da Comissão de Direito Internacional da OAB/MT, Mestra em Ciências Jurídico-Internacionais pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL), Especialista em Ciências Jurídico-Internacionais pela Universidade de Lisboa e Pós-graduanda em Compliance e Integridade Corporativa pela PUC-MG.

[1] A denominação Myanmar (Mianmar) surgiu em 1989, quando o regime militar birmanês anunciou que o nome oficial do país passaria a ser União de Mianmar. A referida designação foi reconhecida pela ONU e pela União Europeia.

[2] Mudanças históricas em MianmarPrimeiro presidente civil é eleito após 54 anos de regime militar. Disponível em: <https://vestibular.uol.com.br/resumo-das-disciplinas/atualidades/mudancas-historicas-em-mianmar-primeiro-presidente-civil-e-eleito-apos-54-anos-de-regime-militar.htm>.

[3] Grande parte dos Rohingyas está localizada no estado de Rakhine, ao norte de Mianmar, que divisa com Bangladesh. Os Rohingyas não são considerados cidadãos de Mianmar e hoje vivem num limbo quanto à sua origem e nacionalidade.

[4] ONU BRASIL. ONU BRASIL. Crise de refugiados em Mianmar é a que mais cresce no mundo. Disponível em: < https://nacoesunidas.org/crise-de-refugiados-rohingya-em-mianmar-e-a-que-mais-cresce-no-mundo/>.

[5] O Conselho de Segurança da ONU (CSNU) é composto por 15 membros, sendo 10 (dez) não- permanentes 5 (cinco) permanentes. Os membros permanentes possuem direito à veto, sendo eles: Estados Unidos da América, Reino Unido, França, China e Rússia.

[6] Ministério das Relações Exteriores. Nota à imprensa nº. 9. Disponível em: < https://www.gov.br/mre/pt-br/canais_atendimento/imprensa/notas-a-imprensa/situacao-em-myanmar>.

 

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