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A inconstitucionalidade das eleições diretas nos Tribunais Estaduais

Data: 06/01/2014 00:00

Autor: Felipe Amorim Reis

    A democracia teve início na Grécia Antiga no século VI a.C. com a definição de “o governo do povo, pelo povo e para o povo" onde os gregos se reuniam em assembleias para tomar as decisões de seu povo fundamentado na igualdade entre as pessoas nas escolhas de seus representantes.
 
    Norberto Bobbio (1)  afirma preliminarmente que o único modo de se chegar a um acordo quando se fala de democracia, entendida como contraposta todas as formas de governo autocrático, é o de considerá-la caracterizada por um conjunto de regras (primárias ou fundamentais) que estabelecem quem está autorizado a tomar decisões coletivas e com quais procedimentos.
 
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    No Brasil o voto direto começou a ser implantado em 1983 com a Proposta de Emenda à Constituição n. 5 de 1983, também chamada Emenda Constitucional Dante de Oliveira, referência ao ex-governador matogrossense Dante Martins de Oliveira.
 
    A Emenda proposta alterava os art. 74 e 148 da Constituição Federal e previa a eleição direta para os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, Senado Federal e Câmara de Deputados como representantes legítimos dos povos.
 
    Dentre as justificativas do então Deputado Federal Dante de Oliveira (2)  era:
 
                    “Restaurar a eleição direta através do voto popular, tradição esta profundamenta arraigada não só no Direito Constitucional  brasileiro como também nas aspirações do nosso povo.”
 
    Dante de Oliveira afirmava também em suas justifcativas da Proposta de Emenda Constitucional que:
 
                    “Não só a tradição constitucional, ou as aspirações populares militavam em favor do restabelecimento do direito do povo escolher o primeiro magistrado.” 
 
    Pois, para o nobre Parlamentar, “a legitimidade do mandato surge límpida, incontestada, se sua autoridade for delegação expressa da maioria do eleitorado.”
 
    Desta forma fora instituído e restabelecido a eleição direta para Presidente e Vice-Presidente da República com a aprovação da Emenda Constitucional Dante de Oliveira e incorporada no sistema constitucional brasileiro como regra universal para as eleições majoritárias e proporcionais no país.
 
    Ultrapassado os anos de chumbo da ditadura militar e aprovação da aludida Emenda, com a nova constituinte de 1988 instalou-se no país uma nova ordem constitucional, prevendo além das eleições diretas para os representantes do país, um plexo de normas e cláusulas pétreas em favor do cidadão, com direitos e garantias aos cidadãos brasileiros.
 
    Implantado assim o sistema constitucional federal, os Estados organizaram as suas constituições estaduais nos mesmos moldes daquela em razão do sistema constitucional brasileiro ser uno e indecomponível.
 
    Logo, fundamentado pela teoria da Pirâmide Kelsiana, onde a Constituição Federal está no topo das normas jurídicas de um sistema constitucional, onde todas as outras normas devem ter fundamentos de validade para a sua coexistência, necessário se faz o próprio sistema constitucional criar filtros e controle de constitucionalidade para a segurança jurídica no mundo do dever ser.
 
    Com efeito, o direito positivo, sendo tomado como o conjunto de normas jurídicas válidas em determinado espaço e em certas condições de tempo, integra o mundo do dever ser, isto é possui uma carga normativa prescritiva. 
 
    Hans Kelsen (3) disseminou a tese jus-positivista, de que a norma fundamental estabelece a validade do direito positivo e expressa caráter hipotético-relativo de um sistema de normas investido apenas de validade do Direito.
 
    Kelsen afirmava que a norma fundamental não é apenas uma hipótese de uma teoria especial do direito. Pois para o jus-filósofo ela é simplesmente a formulação do pressuposto necessário para qualquer compreensão positiva de materiais jurídicos.
 
    Nestes termos, como o sistema constitucional é uno e indecomponível, pois as divisões são cortes metodológicos para facilitar o estudo científico e sistêmico, de acordo com a Teoria do Ordenamento Jurídico de Norberto Bobbio, que entende que a unidade do ordenamento jurídico pressupõe como base do ordenamento uma norma fundamental com o qual se possa, direta ou indiretamente, relacionar todas as normas do ordenamento.
 
    Para Bobbio (4), além de unidade, é também um sistema, entendido como uma totalidade ordenada, um conjunto de entes entre os quais existe uma certa ordem, mas uma ordem coerente entre si. Contrariando todo o sistema constitucional e as teorias jus-positivistas acima, o Parlamento do Estado de Mato Grosso, como reflexo das eleições diretas para Presidente e Vice-Presidente da República de 1983  aprovou a Emenda Constitucional 06/2012 autorizando as eleições diretas para a Diretoria do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso.
 
    Todavia, insta consignar que tal Emenda à Constituição de Mato Grosso já nasce eivada de inconstitucionalidade formal e material.
 
    No que tange a inconstitucionalidade  material a  Constituição Federal reservou rigidamente em seu sistema como sendo de competência federal, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, não podendo in casu haver invasão de compentência por qualquer estado da Federação, pois assim prevê:
 
                    Art.96. Compete privativamente:
                    I. Aos tribunais:
              a) Eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos internos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos.
 
    Ora, a regra constitucional federal preleciona no sentido de que compete privativamente aos Tribunais elegerem seus órgãos diretivos, o que significa que são apenas e exclusivamente tais Tribunais têm a competência constitucional para eleger o seu órgão diretivo.
 
    Em se tratado da inconstitucionalidade formal, a mesma Carta Magna de 88 delineou rigidamente em seu texto a atribuição de Matéria reservada privativamente a União, não podendo qualquer Estado Membro legislar sobre a matéria, pois assim dispõe o inciso XVII (do artigo 22) da Carta Magna de 1988:
 
                    Art. 22. Compete privativamente a União legislar sobre:
                    (...)
                    XVII – organização judiciária, do Ministério Público e da Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios, bem como a organização administrativa destes;
 
    Ademais, é importante mencionar que a Lei Orgânica da Magistratura, Lei Complementar  nº 35, de 14 de março de 1979 que rege a magistratura nacional prevê que a eleição cabe aos magistrados de segundo grau, vejamos:
 
                    Art. 102 - Os Tribunais, pela maioria dos seus membros efetivos, por votação secreta, elegerão dentre seus Juízes mais antigos, em número correspondente ao dos cargos de direção, os titulares destes, com mandato por dois anos, proibida a reeleição. Quem tiver exercido quaisquer cargos de direção por quatro anos, ou o de Presidente, não figurará mais entre os elegíveis, até que se esgotem todos os nomes, na ordem de antigüidade. É obrigatória a aceitação do cargo, salvo recusa manifestada e aceita antes da eleição.
 
    Com efeito, o Supremo Tribunal Federal já enfretou a problemática ao julgar a ADI n.2.012/SP em que combatia a Emenda à Constituição do Estado de São Paulo que previa a mesma eleição direta para a Diretoria Tribunal de Justiça daquele Estado e assim já firmou o seu posicinamento: 
 
                  AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ELEIÇÕES PARA OS ÓRGÃOS DIRETIVOS DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. ART. 62 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO, NA REDAÇÃO DADA PELA EMENDA 7/1999. ESCOLHA POR DESEMBARGADORES E JUÍZES VITALÍCIOS. IMPOSSIBILIDADE. OFENSA AO ART. 96, I, A, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ADI JULGADA PROCEDENTE. 
 
               I– A escolha dos órgãos diretivos compete privativamente ao próprio tribunal, nos termos do artigo 96, I, a, da Carta Magna; II – Tribunal, na dicção constitucional, é o órgão colegiado, sendo inconstitucional, portanto, a norma estadual possibilitar que juízes vitalícios, que não apenas os desembargadores, participarem da escolha da direção do tribunal; III – Ação direta julgada procedente.
 
(ADI 2.012/SP, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 27/10/2011, DJe-225 DIVULG 25-11-2011 PUBLIC 28-11-2011 EMENT VOL-02634-01 PP-00023)
 
    No meu entendimento a aludida Emenda Constitucional do Estado de Mato Grosso não só fere por morte a independência e harmonia entre os Poderes da República consoante petrificado pelo art. 2º da Constituição da República,  como também coloca em xeque a própria supremacia da Constituição Federal de 1988.
 
    O Poder Legislativo como representante legítimo do povo deve estar atentos as mazelas do Poder Público, fiscalizando o Poder Executivo e aplicando a justiça social  democraticamente “pelo povo e para o povo”.
 
Felipe Amorim Reis é advogado, especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários, pós-graduado em Direito Constitucional pela Fundação Escola Superior do Ministério Público de Mato Grosso e Presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB-MT.
 
________________
(1) Norberto Bobbio. O Futuro da Democracia – Uma defesa das regras do jogo. Ed. Paz e Terra. 6ª Edição p. 18.
(2) Domingos Leonelli e Dante de Oliveira. Diretas Já – 15 meses que abalaram a ditadura. Ed. Record. Rio de Janeiro e São Paulo 2004, p. 80.
(3) Hans Kelsen. Teoria do Direito e do Estado. São Paulo 1998. Ed. Martins Fontes. p.563
(5) Norberto Bobbio. Teoria do Ordenamento Jurídico. Ed. UNB 10 Edição. P. 71.
 
 
 
 
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